Mortes em São Paulo acendem alerta em Goiás; estabelecimentos e autoridades se mobilizam para reforçar a confiança do público e orientar sobre riscos do substância
Antes mesmo de qualquer caso ser registrado em Goiás, bares, casas noturnas e promotores de festas já entraram em campo para blindar a própria imagem. Em grupos de WhatsApp, empresários discutem o risco de que a crise das bebidas adulteradas em São Paulo afete também o mercado local. O medo é de perder a confiança do público.
Em uma das ações, uma nota conjunta, publicada em redes sociais, os estabelecimentos buscam esclarecer que a compra de destilados é feita exclusivamente de distribuidores oficiais, sempre com nota fiscal e lacre de fábrica. Como fez o atacarejo de bebidas, Posto das Bebidas, que postou nas redes sociais um comunicado para tranquilizar seu público.
A estratégia é agir rápido, reforçando a transparência. “Nunca tínhamos visto falsificação com metanol, o que se via era bebida mais barata em garrafa de produto caro”, relata João Paulo Castanheira, responsável pelas compras do Posto das Bebidas. “Logo após a divulgação, fomos procurados por vários clientes preocupados. Procuramos tranquilizá-los mostrando nota fiscal e reforçando que compramos apenas de distribuidores oficiais. Também publicamos uma nota oficial no Instagram para dar transparência”, completou.
As medidas não pararam por aí. “Ontem mesmo (quarta-feira), em parceria com a ABBD e a Abrasel, fizemos um treinamento sobre bebidas adulteradas com nossa equipe e disponibilizamos o link para a sociedade em geral. Solicitamos aos fornecedores uma carta de anuência e estamos produzindo um material para divulgar, com todos os ensinamentos”, detalha Castanheira.
Intoxicação em São Paulo
Toda essa mobilização não surgiu do nada. Em São Paulo, a confirmação de cinco mortes e mais de vinte casos suspeitos de intoxicação por metanol em bebidas adulteradas despertou uma alerta em todo o país. Apenas um dos episódios foi ligado a um bar, na região dos Jardins, mas suficiente para colocar o setor na defensiva. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes. (Abrasel) reagiu, classificando a adulteração como um crime que atinge tanto consumidores quanto empresários, que também são vítimas de falsificadores que inundam o mercado com produtos ilegais, o que consideram um problema de saúde pública.
Por aqui, o Sindicato de Bares e Restaurantes do Município de Goiânia (Sindibares Goiânia) emitiu, nesta quarta-feira (01), uma nota técnica detalhando orientações para que os estabelecimentos reforcem a checagem de fornecedores, mantenham a documentação em dia e até inutilizem garrafas vazias, para que não sejam reaproveitadas por criminosos. Mas, na prática, a movimentação vai além de burocracias: trata-se de proteger a reputação de um setor que depende diretamente da relação de confiança com o cliente. E quando o assunto é bebida, basta uma desconfiança para que a mesa do bar fique vazia.
Procurada pela coluna Descomplicando, a Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) informou que não há registros de intoxicação por metanol no estado até agora. A nota reforça que qualquer suspeita deve ser levada imediatamente para atendimento médico, com relato da ingestão de bebida e dos sintomas. O atendimento é apoiado pelo Ciatox, serviço de informação toxicológica que funciona 24 horas por dia, inclusive feriados, pelos números 0800 646 4350 (estadual) e 0800 722 6001 (nacional). Casos e surtos ainda são monitorados pelo CIEVS, centro estadual de vigilância epidemiológica.
Por que o metanol é tão perigoso?
Quem responde é o médico Marcus Burato Gaz, gerente de Unidades Ambulatoriais do Einstein Hospital Israelita. Ele explica que, após consumido, o metanol é transformado no organismo em ácido fórmico — substância tóxica para o sistema nervoso central e especialmente para o nervo óptico, responsável por levar as imagens captadas pelos olhos até o cérebro. “É por isso que o risco mais grave é a cegueira irreversível”, alerta.
Segundo o especialista, os primeiros sintomas podem se confundir com os de quem bebeu álcool normalmente: tontura, sonolência e desinibição. O sinal de alerta aparece quando há alterações visuais, como visão turva, visão dupla, perda de visão ou mudanças na percepção das cores. “Esses sintomas podem surgir nas primeiras horas, mas se a bebida adulterada tiver etanol junto, podem demorar até 96 horas para aparecer”, explica.
O tratamento existe e está disponível no Brasil: etanol (o próprio álcool comum), administrado em ambiente hospitalar, que reduz a conversão do metanol em ácido fórmico, além de ácido fólico ou folínico, que ajudam a eliminar o metabólito tóxico. “Se o suporte for rápido, é possível sobreviver até a uma intoxicação grave, mas o paciente pode ficar com sequelas visuais e neurológicas”, afirma.
Como o metanol é parecido com o etanol no gosto e no cheiro, não dá para identificar uma bebida adulterada apenas ao paladar. Por isso, o conselho é simples: consumir apenas produtos de procedência confiável e ficar atento a sinais de adulteração, como preços muito abaixo da média, lacres tortos ou erros de impressão no rótulo.
No Brasil, a intoxicação por metanol é de notificação compulsória por determinação do Ministério da Saúde após os casos paulistas. Ou seja, todo caso deve ser informado às autoridades de saúde, que contam com uma rede de Centros de Informação Toxicológica para orientar hospitais e pronto-atendimentos.
Em São Paulo, a tragédia já deixou famílias em luto e expôs as falhas na fiscalização de bebidas ilegais. Em Goiás, a corrida é para que o alerta não vire realidade. E, nesse caso, informação e confiança são tão valiosas quanto o líquido servido no copo.
FONTE: MAISGOIÁS