PM que arremessou entregador de ponte na Zona Sul de SP matou homem com 12 tiros em caso arquivado pela Justiça
O soldado da Polícia Militar que arremessou um entregador de uma ponte durante uma abordagem na Vila Clara, Zona Sul de São Paulo, já foi indiciado por homicídio depois de uma ocorrência em que um homem foi morto com 12 tiros, em Diadema, Grande São Paulo, no ano passado.
Segundo a TV Globo apurou, o soldado Luan Felipe Alves Pereira, de 29 anos, teve o caso arquivado em janeiro deste ano depois que o Ministério Público se mostrou favorável ao arquivamento alegando que houve legítima defesa do policial durante troca de tiros. O juiz, então, aceitou o pedido.
Luan trabalha na Rondas Ostensivas com Apoio de Moto (Rocam), no 24º Batalhão de Polícia de Diadema. Nesta quarta-feira (4), a Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo pediu, à Justiça Militar, a prisão do agente. A informação foi confirmada por fontes do governo paulista.
O pedido partiu da Corregedoria após o órgão assumir o Inquérito Policial Militar (IPM) que tem este e outros policiais militares, envolvidos na ocorrência. A Justiça Militar aprecia o pedido de prisão preventiva e decretou sigilo no inquérito.
Procurada pela TV Globo, a defesa de Luan informou que não vai se manifestar.
A vítima tem 25 anos e foi identificada apenas como Marcelo. Depois de ser lançado ao córrego, ele, que é entregador, recebeu ajuda de pessoas que moram na região.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) confirmou que o “agente responsável pela agressão foi ouvido e sua prisão foi solicitada à Justiça Militar” e informou que o “caso também é apurado pela Polícia Civil, por meio da Central Especializada de Repressão a Crimes e Ocorrências Diversas (CERCO) da 2ª Seccional. Diligências estão em andamento para a oitiva da vítima e o esclarecimento dos fatos”.
Pedido de prisão
O pedido de prisão de Luan tem seis páginas e foi assinado pelo capitão Manoel Flavio de Carvalho Barros, encarregado do IPM. No documento, o oficial narra o início da ocorrência, com a perseguição a motociclistas. Em seguida, destaca cinco fotos feitas a partir de câmeras de segurança, que mostram a parte final da ação, quando o homem é jogado do alto da ponte.
O encarregado do inquérito, então, diz que, ao ser questionado sobre a cena, o soldado se reconhece e diz que “a projeção seria realizada ao solo”, ou seja, que o objetivo era jogar o homem no chão.
No parágrafo seguinte, o responsável pelo inquérito se dirige diretamente ao juiz: “Excelência, não há como acolher as declarações apresentadas pelo investigado, pois as imagens largamente difundidas e materializadas no presente feito demonstram conduta errante e inaceitável a quem deveria proteger a integridade de outrem e fazer cumprir a lei”.
Os crimes inicialmente imputados ao soldado são lesão corporal e violência arbitrária, todos previstos no Código Penal Militar.
O encarregado do inquérito termina dizendo que a prisão é a única forma de retomar a hierarquia e a disciplina e manter a ordem pública e social.
Investigação do MP
Mais cedo, o Ministério Público abriu uma investigação sobre o caso, após determinação da Procuradoria-Geral da Justiça.
Os promotores do Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp) também pediram que a Polícia Civil encaminhe, em 24 horas, cópia do boletim de ocorrência e das requisições de todas as perícias solicitadas nesse caso.
Além disso, a Promotoria solicitou à Corregedoria da Polícia Militar que comprove, em até cinco dias, que instaurou Inquérito Policial Militar e afastou os policiais envolvidos. Segundo fontes da Secretaria de Segurança Pública (SSP), dois sargentos e onze cabos e soldados ficarão afastados das ruas até o fim das investigações.
O Gaesp também expediu uma recomendação ao comandante-geral da Polícia Militar, coronel Cássio Araújo de Freitas, para que no prazo de 10 dias determine, com mensagem enviada para a tropa, que os integrantes da corporação “apliquem integralmente e com eficiência os procedimentos operacionais e as normativas existentes sobre abordagens policiais, visando a redução dos casos de erros, abusos e, por consequência, de letalidade policial durante tais intercorrências”.
No mesmo documento, os promotores de Justiça recomendam que o comandante “determine que seja realizada eventual atualização necessária nos procedimentos operacionais e das normativas existentes sobre abordagens policiais” e que a PM considere a implementação de cursos de reciclagem para a tropa.
Para elaborar a recomendação, o GAESP levou em conta o número de mortes decorrentes de intervenção policial, que somam 760 casos em todo o estado, em 2024.
Em outro documento, também encaminhado nesta terça ao comando da Polícia Militar, o MP recomenda à corporação a utilização de câmeras corporais em todas as operações policiais, implementando “mecanismos eficazes de fiscalização para garantir o cumprimento da obrigação de uso de câmeras corporais e sua ativação no momento determinado”.
Em entrevista ao Jornal Nacional, Antonio Donizete do Amaral disse que Marcelo, não tem passagem pela polícia.
“Ele está bem, mas não conseguimos falar com ele. É inadmissível, não existe isso aí. A polícia está aí para fazer a defesa da população, não fazer o que fez. Trabalhador [o filho], menino que sempre correu atrás do que é dele. Não tem envolvimento, passagem [pela polícia], não tem nada. Queria a explicação desse policial e o porquê ele fez isso”, afirmou.
Flagrante
Um vídeo enviado à TV Globo flagrou o momento da abordagem. Nas imagens, é possível ver que um policial levanta uma moto que está no chão. Um segundo e um terceiro policial se aproximam. Depois, o primeiro PM encosta a moto perto da ponte.
Um quarto policial chega segurando o homem pela camiseta azul, que seria o motociclista abordado. Ele se aproxima da beirada da ponte e o arremessa no córrego (veja acima). Nenhum dos colegas faz nada.
Uma testemunha, que preferiu não se identificar, relatou ao Jornal Nacional que os policiais estavam no bairro para dispersar moradores de um baile funk.
“Tinham dois policiais da Rocam parados ali, com cacetete na mão, esperando para abordar. Aí esse menino veio da avenida, virou e aí foi a hora que ele viu os polícias e caiu no chão com a moto. Na hora em que ele caiu no chão com a moto, policiais vieram em cima dele. Eu e minha amiga saímos correndo”, afirmou.
13 PMs afastados
De acordo com a Polícia Militar, os agentes são do 24º BPM de Diadema, na Grande São Paulo. Os 13 policiais afastados das ruas estão envolvidos direta ou indiretamente no episódio, segundo a Corregedoria.
Todos os PMs usavam câmeras corporais e gravaram a abordagem. Essas imagens serão usadas pelos investigadores para entender os detalhes da ocorrência.
Até a última atualização desta reportagem, não houve pedido de prisão para nenhum dos policiais envolvidos.
O que dizem as autoridades
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse, em uma rede social, que o policial militar que “atira pelas costas” ou “chega ao absurdo de jogar uma pessoa da ponte” não está à altura de usar farda. Disse ainda que o caso será investigado e “rigorosamente” punido.
O secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite (PL), também criticou a ação do policial militar. “Anos de legado da PM não podem ser manchados por condutas antiprofissionais. Policial não atira pelas costas em um furto sem ameaça à vida e não arremessa ninguém pelo muro. Pelos bons policiais que não devem carregar fardo de irresponsabilidade de alguns, haverá severa punição”, escreveu, em uma rede social, mencionando um segundo ato de violência policial na capital paulista, em que um PM que executou um jovem negro em frente a um mercado, atirando pelas costas da vítima.
O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa – principal representante do Ministério Público paulista, também emitiu uma nota pública de repúdio à cena, e disse que as imagens são “estarrecedoras e absolutamente inadmissíveis”.
Ele afirmou que já designou que o Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública (Gaesp) integre as investigações a fim de “punir exemplarmente” os policiais envolvidos na abordagem.
“Estarrecedoras e absolutamente inadmissíveis! Não há outra forma de classificar as imagens do momento no qual um policial militar atira um homem do alto de uma ponte, nesta segunda-feira. Pelo registro divulgado pela imprensa, fica evidente que o suspeito já estava dominado pelos agentes de segurança, que tinham o dever funcional de conduzi-lo, intacto, a um distrito policial para que a ocorrência fosse lavrada”, disse Paulo Sérgio de Oliveira e Costa.
E acrescentou: “Somente dentro dos limites da lei se faz segurança pública, nunca fora deles. Assim, esta Procuradoria-Geral de Justiça determinará, ainda nesta terça-feira (3/12), que o Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública (GAESP) associe-se ao promotor natural do caso para que o MPSP envide todos os esforços no sentido de punir exemplarmente, ao fim da persecução penal, os responsáveis por uma intervenção policial que está muito longe de tranquilizar a população”.
Antes da manifestação do secretário nas redes sociais, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) tinha condenado, em nota, o caso, afirmando que “a Polícia Militar repudia veementemente a conduta ilegal adotada pelos agentes públicos no vídeo mostrado”.
Segundo a SSP, “assim que tomou conhecimento das imagens, a PM instaurou um inquérito policial militar (IPM) para apurar os fatos e responsabilizar os policiais envolvidos nessa ação inaceitável”.
“Todos os policiais que estavam em serviço na área identificada foram convocados e já estão sendo ouvidos. A instituição reitera seu compromisso com a legalidade, sem tolerar qualquer desvio de conduta”, finaliza o comunicado.
FONTE: G1